O usucapião é um instrumento jurídico que pode mudar a forma como heranças de imóveis são divididas. Em alguns casos, um herdeiro que reside sozinho na casa herdada pode obter a propriedade integral do bem, excluindo os irmãos do direito à sua parte. O advogado João Victor Duarte Salgado, do escritório Celso Candido de Souza Advogados, explica como isso ocorre e quais medidas podem ser tomadas para evitar conflitos.
O que é usucapião em herança
Segundo o artigo 183 da Constituição Federal e o artigo 9º do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), o usucapião permite a transferência da propriedade de um imóvel urbano de até 250 m² quando o ocupante exerce posse mansa e pacífica por cinco anos, sem oposição e com finalidade de moradia própria.
Nesse contexto, herdeiros ou terceiros que residem por longo período em um imóvel herdado podem reivindicar a propriedade exclusiva. Para isso, é necessário comprovar que houve ocupação contínua, comportamento típico de proprietário e responsabilidade pelo pagamento de despesas como IPTU, contas e manutenção do bem.
Decisões judiciais sobre o tema
O advogado destaca que a Justiça já reconheceu diversos casos desse tipo. Em uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os demais herdeiros perderam o imóvel por não se manifestarem durante 15 anos. Durante esse tempo, um dos filhos viveu na casa, arcou com impostos, fez melhorias e cuidou da conservação.
“O filho ficou morando no imóvel, pagou os impostos, manteve o bem, fez melhorias e ele morou como se fosse dono, sem oposição dos irmãos. Então, nesse período que ele ficou morando no imóvel, ele passou a ter o período aquisitivo de usucapião”, explica Salgado.
Como evitar disputas entre herdeiros
Para evitar que situações assim ocorram, o especialista recomenda formalizar acordos por escrito. Entre as opções estão contratos de comodato, cessão gratuita de uso parcial ou locação. O advogado alerta que acordos verbais, mesmo entre irmãos, não possuem validade jurídica.
“É preciso ter um contrato onde os herdeiros estão cedendo gratuitamente o uso de suas respectivas partes no imóvel para o outro irmão, pelo tempo que for necessário ou da forma que for conveniente, para que não gere nenhum tipo de pedido de usucapião. Acordo verbal, nem entre irmãos não vale, a ideia é colocar tudo no papel”, afirma.
Extinção de condomínio como alternativa
Outra possibilidade ocorre quando um herdeiro se sente prejudicado por não conseguir usufruir do imóvel. Nesses casos, é possível acionar a Justiça por meio da chamada extinção de condomínio.
Um exemplo recente foi analisado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Dois irmãos residiam em um imóvel herdado e impediam a venda, enquanto o terceiro não tinha acesso ao bem. A corte determinou o pagamento de uma indenização mensal de R$ 755,55 ao herdeiro excluído, além da autorização para a venda judicial do imóvel.
“Nessa segunda situação é o irmão que corre atrás do que ele quer, devendo ser mais zeloso e se resguardar de problemas futuros. O irmão que não está residindo no imóvel está indo atrás do direito dele, já que os outros irmãos estão residindo no imóvel, usufruindo da propriedade e de sua herança, enquanto ele está sendo prejudicado”, comenta Salgado.
Venda judicial e direitos dos herdeiros
De acordo com o especialista, a extinção do condomínio vale para qualquer bem indivisível em copropriedade, como imóveis herdados, propriedades rurais ou casas adquiridas em sociedade.
O advogado explica que existem dois caminhos. O primeiro é a indenização proporcional ao herdeiro que não usufrui do bem, semelhante a um aluguel. O segundo é a venda judicial, caso o coproprietário não queira manter o patrimônio em comum.
“A lei autoriza que os irmãos que estão no imóvel possuem a preferência na aquisição e podem exercer esse direito, mas caso eles não exerçam, o juiz determina que esse bem seja vendido de forma judicial. Então, designa-se um leilão, nomeia um leiloeiro, designa data e hora para fazer a praça e ali acontecem os leilões na forma tradicional. E esse irmão tem direito de receber tanto pelo período que ele não está utilizando o imóvel quanto pela sua venda”, resume Salgado.