A pensão socioafetiva tem ganhado espaço nas discussões judiciais e acadêmicas no Brasil. Essa modalidade de obrigação alimentar considera que vínculos familiares formados pelo afeto podem gerar deveres legais semelhantes aos laços biológicos. A questão, ainda pouco compreendida por muitos, reflete mudanças nas estruturas familiares e vem sendo analisada com atenção crescente pelos tribunais.
De acordo com a advogada Tatiana Naumann, especialista em Direito de Família e Sucessões, o reconhecimento da pensão socioafetiva ocorre em situações específicas. “Quando um padrasto ou madrasta assume, de forma pública e constante, o papel de pai ou mãe, oferecendo suporte emocional, material e educacional a uma criança ou adolescente, isso pode gerar direitos e deveres recíprocos. Entre eles, a obrigação de prestar alimentos”, afirma.
Base legal da pensão socioafetiva
Embora o Código Civil brasileiro não faça referência direta à pensão socioafetiva, os artigos 1.694 a 1.710, que tratam da obrigação alimentar, são utilizados como fundamento jurídico. Além disso, o princípio do melhor interesse da criança, estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), reforça o entendimento de que o vínculo afetivo pode ser suficiente para a imposição de responsabilidades legais.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reconhecido a importância da socioafetividade nos julgamentos relacionados ao tema. Entretanto, o vínculo socioafetivo só é reconhecido judicialmente quando há provas concretas de que o padrasto ou madrasta assumiu um papel parental de maneira inequívoca. Segundo Naumann, “não basta o mero convívio familiar para que a Justiça reconheça a obrigação. É necessário comprovar um vínculo profundo e duradouro, com claros indícios de cuidado e suporte”.
Multiparentalidade e a proposta de atualização do Código Civil
Uma comissão de juristas liderada pelo ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, apresentou em 2023 uma proposta de atualização do Código Civil ao Senado. O texto inclui a multiparentalidade socioafetiva, permitindo o reconhecimento de mais de um vínculo paterno ou materno. Apesar da relevância da proposta, sua tramitação legislativa ainda não foi iniciada.
Tatiana Naumann destaca a importância de abordar o tema com cautela para evitar abusos. “É essencial que o reconhecimento seja pautado no melhor interesse da criança e que não se transforme em um instrumento de judicialização excessiva, gerando insegurança para as famílias”, afirma.
A realidade das famílias brasileiras
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de um terço das famílias no Brasil é formado por arranjos não tradicionais. Esse dado evidencia a necessidade de adequar o Direito às novas dinâmicas familiares. No entanto, informações equivocadas sobre o tema ainda geram confusão.
Um equívoco comum é a crença de que padrastos e madrastas têm automaticamente a obrigação de pagar pensão alimentícia. Naumann esclarece que “o vínculo socioafetivo precisa ser comprovado. Não se trata de uma obrigação automática. Cada caso exige análise individualizada, considerando a intensidade e a estabilidade da relação”.
Casos recentes e perspectivas
Tribunais em diferentes estados têm julgado casos de pensão socioafetiva com decisões baseadas na análise das particularidades de cada situação. Em alguns casos, os vínculos afetivos foram reconhecidos como suficientes para a imposição da pensão alimentícia. Já em outras situações, a falta de comprovação de uma relação parental consistente levou ao indeferimento dos pedidos.
A advogada ressalta que o tema ainda é objeto de debates e que a jurisprudência está em construção. “Estamos lidando com um cenário em evolução. A Justiça tem o desafio de equilibrar o reconhecimento de novos vínculos familiares com a proteção contra decisões arbitrárias ou injustas”, conclui.